quinta-feira, 24 de janeiro de 2019
quinta-feira, 17 de janeiro de 2019
Tenho
tenho
uma saudade imensa
não sei de quê
olho o céu muito azul
neste dia de inverno
um pouco frio
e sinto saudade
não tenho paciência
para cartas formais
contas bancárias
tratar de ficheiros
ordenar papéis
negociar
quero criar
imaginar
escrever e desenhar
mas o quê?
tenho
uma saudade imensa
de criação
Alf. Jan. / 2015
não sei de quê
olho o céu muito azul
neste dia de inverno
um pouco frio
e sinto saudade
não tenho paciência
para cartas formais
contas bancárias
tratar de ficheiros
ordenar papéis
negociar
quero criar
imaginar
escrever e desenhar
mas o quê?
tenho
uma saudade imensa
de criação
Alf. Jan. / 2015
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
Paula Amaro
DO QUE EU
GOSTO
Gosto de flores e pessoas verdadeiras.
Gosto do ar puro, da sede dos teus lábios,
da água que em bátegas inteiras
cai, em flocos de neve, brancos, pálidos.
Gosto do sabor acre das ameixas verdes,
do mel de rosmaninho, filtrado da colmeia;
das ilhas de musgo que cobrem as paredes,
do uivar do lobo quando há lua cheia
Gosto do jasmim plantado no canteiro
por baixo da janela do meu quarto,
do sibilar do vento na palha de centeio
e daquela réstea de luz que vem do alto,
que brilha nos teus olhos cor do céu,
que traz de novo meu peito apertadinho
e até a névoa que cobre a lua como um véu
deixando livre o amor no meu caminho...
Gosto de flores e pessoas verdadeiras.
E não encontro as pessoas...
Gosto do ar puro, da sede dos teus lábios,
da água que em bátegas inteiras
cai, em flocos de neve, brancos, pálidos.
Gosto do sabor acre das ameixas verdes,
do mel de rosmaninho, filtrado da colmeia;
das ilhas de musgo que cobrem as paredes,
do uivar do lobo quando há lua cheia
Gosto do jasmim plantado no canteiro
por baixo da janela do meu quarto,
do sibilar do vento na palha de centeio
e daquela réstea de luz que vem do alto,
que brilha nos teus olhos cor do céu,
que traz de novo meu peito apertadinho
e até a névoa que cobre a lua como um véu
deixando livre o amor no meu caminho...
Gosto de flores e pessoas verdadeiras.
E não encontro as pessoas...
Anabela Borges
OURO ENVELHECIDO
Porque
estás sentada nos braços da solidão,
e as tuas horas são feitas de silêncios,
e querias ter a casa preenchida
de vidas que foram tão tuas,
e das tarefas infindas
que te enchiam os dias.
Querias.
Porque querias percorrer as ruas
com o ânimo renovado
no regresso a casa.
E querias que as presenças
que não te esperam mais
te curassem as feridas,
as fendas que se abriram em ti,
como as que o tempo abre na terra.
e as tuas horas são feitas de silêncios,
e querias ter a casa preenchida
de vidas que foram tão tuas,
e das tarefas infindas
que te enchiam os dias.
Querias.
Porque querias percorrer as ruas
com o ânimo renovado
no regresso a casa.
E querias que as presenças
que não te esperam mais
te curassem as feridas,
as fendas que se abriram em ti,
como as que o tempo abre na terra.
Dizem que tens a idade maior,
que é feita de ouro.
Será. Mas é de um ouro envelhecido,
como o ouro das arrecadas,
que guardas apertadas nas mãos,
sinal da tua passagem, outrora,
passado apagado pelo vento que passa,
de mão em mão.
E já nada brilha como o ouro novo, agora.
que é feita de ouro.
Será. Mas é de um ouro envelhecido,
como o ouro das arrecadas,
que guardas apertadas nas mãos,
sinal da tua passagem, outrora,
passado apagado pelo vento que passa,
de mão em mão.
E já nada brilha como o ouro novo, agora.
Querias.
Mas como pode parecer tão simples
o que querias?
Pássaros que era costume esperarem-te
de bicos abertos no ninho?
Memórias. São memórias,
uma seita de memórias embrulhadas em bruma
e com um cheiro escarninho, acre e doce do que foste feita.
Mas como pode parecer tão simples
o que querias?
Pássaros que era costume esperarem-te
de bicos abertos no ninho?
Memórias. São memórias,
uma seita de memórias embrulhadas em bruma
e com um cheiro escarninho, acre e doce do que foste feita.
Não consegues lembrar-te do
dia
em que a casa ficou vazia,
e tudo se degradou, até quase se desmoronar,
porque todos os pássaros foram voando
para longe de ti, até deixarem de regressar.
em que a casa ficou vazia,
e tudo se degradou, até quase se desmoronar,
porque todos os pássaros foram voando
para longe de ti, até deixarem de regressar.
E tu ficaste, ouro envelhecido,
empoeirado de branco como os teus cabelos,
dependurada de ti, nesse silêncio enevoado,
com uma pergunta nos olhos
e um fio de lágrima que desce lento,
como a água de um ribeiro
que seja estreito de leito.
empoeirado de branco como os teus cabelos,
dependurada de ti, nesse silêncio enevoado,
com uma pergunta nos olhos
e um fio de lágrima que desce lento,
como a água de um ribeiro
que seja estreito de leito.
Ficas, nessa delonga,
dependurada por um fio,
para seres apenas sombra.
dependurada por um fio,
para seres apenas sombra.
ANABELA BORGES, in ENTRE O SONO E O SONHO-Vol. IV- (Chiado Editora, 2013)
António Lobo Antunes
Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.
António Lobo Antunes - (Sátira aos HOMENS quando estão com gripe).
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